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Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, conversou com a BBC News Brasil sobre a condução do presidente Jair Bolsonaro, a sua relação com as Forças Armadas e a atenção dos Estados Unidos da América em relação à América Latina.
COMENTARIOS DE PETER HAKIM:
Pergunta (P): Havia uma expectativa no Brasil de que veríamos uma reforma ministerial em breve, mas as mudanças no Ministério da Defesa e no comando das três forças militares foram uma surpresa. Como o senhor avalia esse movimento do presidente Bolsonaro?
Resposta (R): O Brasil parece estar à beira do caos, e essa mudança toda é só um dos eventos que indicam isso. A gravidade da pandemia no país, que o presidente Bolsonaro parece querer continuar ignorando, o acumulado de seis ou sete anos de queda econômica, o retorno de Lula à cena política como um forte candidato à esquerda. Então o Brasil está tão fragilizado em tantas frentes que a saída do ministro da Defesa não chegou a ser tão surpreendente necessariamente.
Muito diferente, no entanto, foi a demissão dos três comandantes das Forças Armadas. Isso não é usual e mostra que eles estão bastante descontentes com o modo como Bolsonaro vem conduzindo as coisas, com as atitudes dele de chamar as Forças Armadas de “meu exército”, como tem feito.
P: O Brasil passou por um golpe militar em 1964 que levou a uma ditadura de duas décadas no país. O senhor vê o risco de uma quebra da ordem institucional agora?
R: Eu não vejo um risco ou a possibilidade de os militares tomarem o poder para exercê-lo por meses ou anos, como fizeram nos anos 1960. Nós não estamos mais nos anos 1960, afinal. O que pode acontecer é que os militares excedam um pouco seu papel institucional ao exercer algum tipo de pressão no processo político. Algo parecido com o que fizeram recentemente na Bolívia, quando chamaram Evo Morales a renunciar e acabaram conseguindo forçar a saída do presidente. No Brasil, talvez eles pudessem pressionar o Congresso em relação a um processo de impeachment de Bolsonaro. Para mim, o Exército tem mantido algum grau de autonomia em relação ao presidente, ele não o controla.
P: Há exatos 57 anos, vivíamos o golpe. O fim da democracia brasileira contou com apoio do governo dos Estados Unidos na época. Como os americanos lidariam com uma situação de um golpe no Brasil hoje?
R: Eu não acredito que os Estados Unidos se envolveriam de qualquer maneira em uma tentativa de golpe no Brasil hoje. Nem para apoiá-la, nem para freá-la. A verdade é que hoje os americanos não têm tanto interesse na região quanto já tiveram antes. Se você observar, as ações do governo Biden até agora se concentram em questões migratórias e em atuar junto ao México e à América Central em relação ao assunto. A crise na Venezuela interessa em alguma medida. E o resto é a tentativa de reduzir a influência da China na região, mas não exatamente interesses diretos e particulares na área.
Temos testemunhado o que vem acontecendo na Venezuela há anos. O país está em frangalhos, há uma ditadura instalada, uma crise econômica e humanitária profunda e o que os americanos fizeram? Som e fúria só. Disseram “todas as opções estão na mesa”, mas não usaram quase nenhuma delas. Houve algumas sanções e é isso.
No caso do Brasil, se algo parecido acontecesse, duvido que os americanos iriam inclusive tão longe quanto foram com Nicolás Maduro. Não haveria sanções, nada disso. Observariam, poderiam fazer declarações, mas nada além. Veja o Haiti agora. Temos ali um presidente governando por decretos, uma situação de violência crescente, os americanos teriam condições de fazer qualquer coisa ali, e o que fizeram? Nada.
P: O Brasil enfrenta crises simultâneas: o maior número de mortes diárias por covid-19 no mundo, a economia em desarranjo, a tensão nos círculos militares. Como o senhor vê o país dentro de alguns meses?
R: Eu diria que o nível de volatilidade que estamos vendo no país nos últimos meses talvez só seja comparável com os anos 1960.